terça-feira, junho 18, 2013

Eros e civilização, Texto II | Ato V: Entre a extensão do falo e a microfísica do poder no ato contra o aumento das passagens

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ATO V. Largo da Batata, SP.
Foto: Folhapress

            Bem disse Roberto Machado na introdução de Microfísica do Poder de que na perspectiva foucaultiana não existem os que de um lado têm o poder e que do outro aqueles que são desprovidos dele. O poder se dá em todas as práticas e relações. Acrescenta adiante que “(...) qualquer luta é sempre resistência dentro da própria rede de poder”.
            Diferentemente da edição anterior, no quinto grande ato na cidade de São Paulo, não houve grandes confrontos entre sociedade civil, movimentos sociais e Estado. Por conta da repercussão negativa da ação truculenta da Polícia Militar e da tropa de choque na última quinta, já antes do último evento, foi anunciado que não haveria ação programada de contenção da manifestação, e que, portanto, as ruas, incluindo a Paulista, estariam livres para as reivindicações. 
          Enganam-se aqueles que julgam ser, assim, um ato livre. Nada mais óbvio que o Estado recue, não por ter se dado como posto à prova, mas por também ser perspicaz, tão como os movimentos. Diante do incontrolável, também resiste-se no controle do possível. Arnaldo Jabor reconsiderou, não é mesmo? Nada de conclusões maniqueístas, é assim, simples parte desse dispositivo de poder que Foucault nos fala.
           E nesse novo cenário pontuo algumas percepções, obviamente pouco deflagradoras da realidade, mas sem dúvida, parte dela. Penso numa contribuição nesse processo de retomada das ruas, do público, do coletivo. Também tenho me arrepiado com dimensão de tudo e espero que possamos dar novos passos. 
            Se pensarmos em alguns autores que tratam dos movimentos e conflitos sociais, como Hadley Cantril (1941), Pedro Cadarso (2001), Charles Tilly e Lesley Wood (2010), notamos que, em linhas gerais, todos tratam de pontos como estratégia, eficácia, campanha e motivações individuais. E certamente precisamos estar atentos a isso nas análises e inferências sobre os conflitos de hoje, sem obviamente, normatizar os movimentos.
            Se nessa noite não vimos a ação direta do Estado sobre nossos corpos, com as bombas e balas de borracha, fomos nós mesmos que nos vigiamos a todo momento. Concentramos-nos e caminhamos ordenadamente no Largo da Batata, na Faria Lima, na Paulista, na ponte estaiada, etc, com gritos e palavras de ordem em repúdio, dentre outras coisas, à participação de partidos políticos, à cobertura da grande mídia e, sobretudo, ao “vandalismo”.
            Ora, o que é esse "vandalismo" que temos concebido? Pintar e registrar uma indignação sobre uma matéria morta é o descumprimento de que ética e moral? Ao banalizarmos qualquer prática de afronta à norma como vandalismo me parece que alinhamo-nos a um discurso hegemônico de controle. Supondo que algumas práticas podem deslegitimar os movimentos por uma mídia deturpadora, agimos contidos e esquecemos que a força da comunicação pode crescer do mesmo lugar que os movimentos atuais nasceram, das redes sociais.
            Não parece tarefa fácil responder à tão complexa crítica, contudo, arrisco que precisamos crer na autolegislação da vontade livre. PASSE_AGE_AUTOLGISLA-SE LIVRE. Para Lunardi (2011) na perspectiva kantiana a ação moral do sujeito advém de sua autonomia em impor restrições morais a si mesmo. Liberdade em Kant fundamenta-se na autogestão da vontade livre. Todos nós somos munidos de vontades e desejos, de Eros, estes são livres. Em civilização, em respeito ao livre desejo e vontade do outro, esbarramos nos limites, assim demanda-se nossa autolegislação. Talvez o possível para ações coletivas seja pensar em concessões agressivas em respostas à opressão apenas cujas conseqüências também sejam coletivas e não arbitrárias.




Referências - sugestões de leitura:

CADARSO, Pedro Luis Lorenzo. Fundamentos teóricos del conflito social. Madrid: Editores, S.A., 2001. ISBN: 84-323-1072-7
CANTRIL, Hadley. Psicologia de los movimientos sociales. (1ª Ed. 1941). Madrid: Euramérica, S.A., 1969.
FOUCAULT, Michael. Microfísica do Poder. Organização e tradução: Roberto Machado – Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
LUNARDI, Giovani Mendonça. A fundamentação moral dos direitos humanos. Rev. katálysis [online]. 2011, vol.14, n.2, pp. 201-209. ISSN 1414-4980
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização – Uma interpretação filosófica dos pensamentos de Freud. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
TILLY, Charles e WOOD, Lesley J. Los Movimientos Sociales, 1768-2008. Desde sus orígenes a Facebook. 2ª Ed. Editora Crítica: Barcelona, 2010. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Texto lúcido, forte e incrível. Parabéns.