quarta-feira, janeiro 03, 2007

Márcia

Não me lembro a data certa, só sei que as lembranças ainda se fazem presentes. Era um final de tarde e eu voltava para casa. Encontrei uma mulher que nunca tinha visto na vida e posso dizer que ali ocorreu algo mágico, descobri com uma desconhecida alguns dos valores humanos. Cheguei no ponto de ônibus, e lá estava a tal moça, vendendo algumas bugigangas. Ao me aproximar, ela indagou:
- Moço, não quer comprar umas pulseirinhas para namorada?
Disse que não tinha dinheiro, mas ela insistia e eu repetia que não as queria. Era uma mulher simples, estava vestida com trajes velhos, com alguns furos, gastos pelo tempo.
Percebendo que não conseguiria fazer a venda, ela sentou-se e ficou quieta. Sentei ao seu lado e perguntei se era ela mesmo que confeccionava os utensílios. Respondeu-me que sim e vendo meu interesse começamos a conversar.
Em poucos minutos ela já havia me contado boa parte de sua vida. Paulistana, morou em várias cidades e quando a conheci estava instalada em Americana-SP, num galpão de fábrica. Com ela, vivia um deficiente, um alcoólatra e um mendigo, todos estavam lá de favor, dizia. Antes disso, tinha um barraco em Campinas, maior cidade interiorana do Brasil, saiu de lá pela falta de privacidade e insegurança. Se não me engano, seus filhos moram em outra favela com o pai, que tem mais condições para sustentá-los.
Mesmo marginalizada pela conjuntura social, ignorada pelo Estado, ela era otimista, dizia que queria construir uma casinha na nova cidade que a acolheu. Queria ir ao cabeleireiro fazer as unhas, pintar o cabelo, para que alguém se interessasse por ela.
A conversa fluía como se conhecêssemos há anos. Veio meu ônibus e eu precisava ir, mas pensando melhor, resolvi ficar ali por mais alguns instantes, afinal, ela estava tão entusiasmada em me falar sobre sua vida, carente de atenção e tão confiante no meu interesse, que seria injusto de minha parte deixá-la naquele momento.
Sinceramente eu também precisava dela. Passado um bom tempo eu já não sabia quantos ônibus havia perdido. Não me esqueço da cena em que eu disse:
- Esse é o meu, tenho que ir.
- Ahhhhhh, que pena.
Aquele som foi como uma estaca, prendendo-me naquele local. Acho que ficaria o resto da noite a ouvi-la, mas já estava escurecendo e eu realmente precisava ir, dessa vez, ao avistar meu ônibus eu me levantei e me surpreendi: Ela se levantou e me deu um abraço.Em direção ao ônibus, escutei:
- Como se chama?
- Fábio, e você?
- Márcia
Não sei explicar os motivos, o por quê aquela mulher me chamou tanto a atenção. A princípio mal a vi e depois ela se manteve em minha mente por vários dias. Deveria ter comprado algum daqueles objetos, pelo menos teria uma lembrança dela.

Fábio Ortolano

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